O campo do investimento social privado, o poder público e a sociedade em geral devem conscientizar-se sobre a importância de seus respectivos papéis no investimento em infraestrutura urbana e mudanças climáticas nas áreas periféricas. Essa lógica norteia a atuação do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal no enfrentamento das desigualdades socioespaciais, em particular no que diz respeito à infraestrutura urbana.
Dentro dessa lógica, ao compartilhar a experiência adquirida por meio da atuação no bairro e do trabalho desenvolvido em conjunto com a comunidade e o poder público, o programa esteve à frente do desenvolvimento da publicação Advocacy Colaborativo para o investimento em infraestrutura urbana nas periferias.
O material consiste em metodologia que organiza as lições aprendidas por meio do trabalho no Jardim Lapena. Além disso, a publicação dialoga com o propósito da Fundação de compartilhar tais aprendizados com o campo do investimento social privado (ISP) e organizações da sociedade civil (OSCs).
A metodologia de advocacy colaborativo consiste, então, nas seguintes etapas de atuação territorial em parceria com a comunidade local e o poder público:
- Planejamento técnico-comunitário: construção do Plano de Bairro em conjunto com a comunidade e estabelecimento de prioridades;
- Elaboração de projetos básicos: elaboração do projeto de cada obra junto com todos atores envolvidos, inclusive do poder público;
- Doação dos projetos básicos: doação do projeto básico de cada obra diretamente para o órgão público responsável por sua execução;
- Articulação da implementação: acompanhamento e articulação de agentes para que o projeto seja licenciado e licitado e a obra seja executada sem impactos negativos na comunidade.
A partir dessa lógica, esse documento participativo intermediou o desenvolvimento de três projetos no Jardim Lapena: melhorias do sistema viário e da caminhabilidade no território, canalização do córrego local com sistema de contenção de cheias e drenagem e a construção de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no bairro. Tais obras estão em alinhamento com o Programa de Urbanismo Social da Prefeitura de São Paulo, cuja implementação no bairro ocorreu por meio de parceria com a Fundação Tide Setubal a partir da doação de um conjunto de projetos básicos com foco na qualificação urbana territorial.
“Nós nos apoiamos em um plano local, elaborado pela população, que prioriza os investimentos mais urgentes. A partir dele e em conjunto com os moradores, a Fundação atua como assessoria técnica territorial, contratando empresas projetistas e garantindo que os projetos se adequem aos requisitos licitatórios do governo, o que facilita a implementação.”
(Fabiana Tock, coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal)
Domínio público e colaborativo
Outro ponto emblemático presente na publicação Advocacy Colaborativo para o investimento em infraestrutura urbana nas periferias, e sobre o qual a metodologia desenvolvida pela Fundação Tide Setubal procurou atuar, dizia respeito à relação com o poder público. No caso, trata-se da continuidade das obras entre diferentes mandatos.
Nesse contexto, um aspecto de destaque é garantir a chegada de projetos que já estejam prontos e alinhados com as expectativas da comunidade e os requisitos técnicos do poder público — essa lógica permite a transição de modo mais fluido entre gestões. A partir disso, pode-se implementar soluções que de fato tenham impactos positivos e melhorias perenes na qualidade de vida das periferias, que dependem de ações de longo prazo que se podem não acontecer se não houver esse cuidado de amarração.
Como consequência, a experiência da Fundação Tide Setubal atuando no Jardim Lapena aparece como um modelo que pode ser replicado em outros territórios periféricos. E, dessa maneira, pode-se demonstrar o poder transformador do ISP quando se combina com uma articulação ativa entre a sociedade civil e o poder público.
“Os benefícios percebidos neste processo são diversos. No advocacy colaborativo da Fundação Tide Setubal, as demandas das comunidades são levadas ao poder público já acompanhadas de soluções técnicas viáveis e baseadas em diagnósticos sólidos sobre a realidade local. Isso facilita a aceitação e a execução das obras pelo poder público. Ainda, garantiu que as soluções de projetos fossem adequadas e eficazes, resolvendo problemas locais de maneira mais precisa.”
(Fabiana Tock)
Ainda, os aprendizados assimilados por meio do trabalho no Jardim Lapena permitiram que o modelo de advocacy colaborativo implementado no bairro pudesse ser replicado e debatido em outros territórios periféricos. Um dos caminhos encontrados nesse sentido foi a partir da contribuição da Fundação Tide Setubal na formulação do programa governamental Periferia Viva, elaborado pela Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades. O programa trata de obras de infraestrutura e ações públicas em regiões periféricas e tem como principal inovação a busca por metodologias de integração de políticas públicas e ampliação da participação social.
Em 2024, a Fundação Tide Setubal ingressou na Rede Periferia Viva, segmento do Programa Periferia Viva que reúne instituições e conecta gestores, técnicos e comunidades para acelerar a urbanização de favelas e tornar essa política mais efetiva e participativa.
A trajetória da Fundação Tide Setubal nessa agenda possibilitou, por meio da Rede Periferia Viva, a apresentação da experiência de advocacy colaborativo implementada no Jardim Lapena durante o 12º Fórum Urbano Mundial, promovido pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat), no Cairo, Egito. Na ocasião, Fabiana Tock, coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano, participou de diálogos sobre moradia e financiamento habitacional, compartilhando aprendizados e desafios dessa abordagem.
Também no Fórum, Mariana Almeida, diretora-executiva da Fundação Tide Setubal, integrou a mesa Periferia Viva: Unindo Governos e Atores Territoriais para um Avanço Inovador na Melhoria Urbano-Ambiental nas Periferias. O encontro contou com a mediação de Flávio Tavares, coordenador-geral de Articulação e Planejamento da Secretaria Nacional de Periferias (Ministério das Cidades), e a participação de:
- Guilherme Simões, Secretário Nacional de Periferias;
- Patrícia Cavalcanti, Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano de Diadema (SP);
- Jader Barbalho Filho, Ministro das Cidades do Governo Federal.
Ainda em 2024, o Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano ampliou sua incidência nacional no campo da urbanização de favelas. A partir da experiência concreta do advocacy colaborativo — que articulou diferentes caminhos para concretizar as demandas urbanas das periferias e tornar mais eficaz e célere a ação do poder público —, a Fundação, em parceria com a WRI, organização internacional que trabalha modelos de desenvolvimento sustentável por meio de soluções urbanas de baixo carbono baseadas no rigor científico, foi selecionada no edital de Chamamento Público da Secretaria Nacional de Periferias. O objetivo do edital é oferecer assessoria técnica, capacitação e acompanhamento em 12 territórios atendidos pelo Programa Periferia Viva.
Essa atuação representa uma oportunidade estratégica para fortalecer a participação social, a abordagem territorial e a integração de políticas públicas no contexto da urbanização de favelas.